Natal na Umbria

 

(di Vera Lúcia de Oliveira, 2006)

 

Claudio Maccherani, Perugia, 2016

 

O Natal na Úmbria, terra de São Francisco

Vera Lúcia de Oliveira (Maccherani)

 

Para um brasileiro, o inverno europeu tem sempre um grande fascínio. O mesmo diga-se das festas de Natal e de ano-novo, passadas com amigos em casas adornadas para a ocasião, à luz de lareiras crepitantes e velas perfumadas. Nas ruas e árvores que já perderam todas as folhas, lâmpadas de todos os tipos e cores iluminam a noite gelada e alegram as ceias de gala, onde reinam toalhas vermelhas e brancas, talheres e pratos finos, iguarias que não se vêem todos os dias do ano, doces de todos os feitios e gostos, vinhos e espumantes, abraços amistosos entre parentes que se reencontram.

 

  

Para os italianos, o Natal é sem dúvida a festa mais importante do ano, profundamente sentida pelas famílias, com o rito da Missa do Galo ou da missa da manhã de Natal, às quais não se falta (regra seguida mesmo por maridos ou filhos renitentes aos ensinamentos religiosos). É uma tradição que deve ser respeitada, e os italianos, sabe-se, têm muito apreço pelas tradições.

Naturalmente, como no Brasil, é uma festa vivida muito mais intensamente pelas crianças, já que os adultos sabem bem o quanto todas essas comemorações, mesmo religiosas, tornaram-se uma “mercantilização” de bons sentimentos, de falsos abraços entre falsos amigos, de parentes que se suportam por um dia apenas e que não vêem a hora de se despedir. Mas não vamos romper com a magia do que é mágico! Eu sou das pessoas ainda que aguardam o Natal como quando menina, com os olhos abertos de espanto e o coração repleto de expectativas pelo ano-novo. E não é difícil manter esse espírito, vivendo numa região como a Úmbria, no centro da Itália, a poucos quilômetros da cidade de Assis, cidadezinha marcada, em cada igreja, viela, praça, pátio, pedra, pela figura meiga e mansa de São Francisco, o poverello.

Nem todos sabem que foi São Francisco a inventar o presépio. Nas primeiras décadas do século XIII, Francisco organizou, com a ajuda de uns poucos frades, que o seguiam, e dos habitantes de um pobre lugarejo, na rústica gruta de Greccio, na Itália central, a primeira representação da sacra família, com personagens reais, gente simples e humilde e alguns animais para aquecer a penúria, o que deu origem a uma tradição muito forte e sentida neste país, e não só aqui. A representação singela perpetuou-se nos séculos e ainda hoje são muitas as pequenas cidades úmbrias que repropõem a tradição, com centenas de atores improvisados, que reencenam, com emoção, o nascimento de Cristo.

Petrignano d'Assisi, Presepe vivente 2012

 

 

Não há casa na Umbria sem o seu presépio, o que exige todo um rito de preparação, incluindo um projeto sumário realizado rigorosamente por pais e filhos pequenos, a busca do material (possivelmente natural) através dos ricos bosques da região, onde as folhas secas no chão formam um tapete marrom que suaviza passos e risos. O musgo recolhido recobrirá depois o plano em que as figurinhas de cerâmica (algumas antigas, passadas de geração em geração) são dispostas na expectativa da noite de Natal. E então, quando tudo estiver pronto, quem enfrentará a gélida escuridão e sairá pelas ruas e casas, distribuindo presentes, não é Papai Noel, mas sim Gesù Bambino – isso mesmo! –, o Menino Jesus em pessoa, que já terá lido, para a ocasião, todas as milhares de cartas recebidas das crianças deste país (sempre menos, na verdade, pois o índice de natalidade italiano é um dos mais baixos do mundo) e saberá, com certeza, o que dar e a quem dar.

 

Castel San Gregorio d'Assisi, Presepe vivente 2014

Sim, porque aos que durante o ano receberam repreensões de pais e professores, por maus comportamentos e repetidas desobediências, o Menino Jesus não deixará de acrescentar, ao desejado presente, um pacote preto de carvão!! (naturalmente, feito de açúcar, mas sempre carvão é...), testemunho de que também Jesus, lá do alto, não pode deixar de ver e de acompanhar o destino de suas criaturas, de julgar e avisar que ainda é tempo para se redimir...

 

Na verdade, quantas serão talvez as crianças que pensarão nessa noite e noutras: “Quem mereceria o carvão são tantos pais, tantos adultos, que roubam a infância do mundo...” Mas, se sabe, a voz das crianças é grácil, não tem potência ou poder para chegar aos ouvidos de quem dirige nossos destinos, de quem delibera sobre a paz e as guerras, de quem decide os que vão viver ou morrer no ano que entra. Atualmente, ao que parece, nem Jesus tem suficiente voz para se fazer ouvir... Mas como explicá-lo às crianças, sem retirar a aura de magia do Natal?

 

 

Vera Lúcia de Oliveira, O Natal na Úmbria, terra de São Francisco

suplemento VISÕES DISTINTAS DA PASSAGEM DO ANO,

Jornal UNESP, Ano XX, dezembro 2006, n.218

Alguns (28) presépios viventes na Umbria no Natal de 2013: Acquasparta, Arrone, Calvi dell'Umbria, Cascata delle Marmore, Porzano (território de Terni); Alviano, Lugnano in Teverina (território de Amelia); Armenzano, Bettona, Castel San Gregorio, Petrignano (território de Assisi); Avendita, Cerreto di Spoleto, Preci, San Pellegrino di Norcia (território de Cascia); Passignano sul Trasimeno, Pozzuolo Umbro (território de Castiglione del Lago); Volterrano (território de Città di Castello); Cabesse, Marcellano, Rasaglia (território de Foligno); Allerona, Ficulle, Monteleone d'Orvieto, Orvieto, Porano (território de Orvieto); Fratta Todina (território de Todi).

    

by Claudio Maccherani, 2016